Natalie Unterstell: Entrevista para o Número 8

Natalie Unterstell: Presidente do Instituo Talanoa e entrevistada do Boletim Acauã para o Editorial N°8

Ana Paula Tostes

Olá Natalie tudo bem? Você tem representado um engajamento apartidário e comprometido com o esclarecimento, com o diálogo com a sociedade e elaboração de proposições de políticas públicas no setor ambiental. Poderia nos falar sobre sua trajetória acadêmica e a relação com o tema das mudanças climáticas?

Ana Paula Tostes: Editora do Boletim Acauã

Natalie Unterstell

Eu descobri ainda na graduação que eu gostava muito da área de políticas públicas e enveredei pelos atalhos e caminhos que achei nesse sentido, tanto na área acadêmica quanto prática. Meu primeiro trabalho foi em campo, na Amazônia, ajudando a desenvolver um programa de desenvolvimento regional no Alto Rio Negro, no Amazonas. Um programa que buscava avançar desde alternativas econômicas até a área de educação. E foi naquele contexto, trabalhando para o Instituto Socioambiental na Amazônia, que eu me dei conta que tudo o que fosse feito em termos de desenvolvimento social e econômico seria, mais ou menos dia, impactado pela mudança do clima. Tive a sorte e a oportunidade de trabalhar com pessoas que eram boas conhecedoras do desafio climático e influentes no pensamento de suas soluções, como o Márcio Santilli e a Adriana Ramos. Acabei, portanto, entrando no tema das mudanças climáticas desde a perspectiva do que precisava ser feito para resolver a crise climática pela ótica de quem pode ser mais direta e fortemente afetado por ela. Foi muito interessante.

Ana Paula Tostes

Poderia falar agora sobre o Instituto Talanoa? Como surgiu o Instituto, quais são suas propostas, e parcerias?

Ana Paula Tostes: Editora do Boletim Acauã

Natalie Unterstell

R: Talanoa significa, para os povos do Pacífico, uma espécie de “deliberação” ou “resolução”. Quando Fiji foi presidente da COP23, ela “exportou” esse conceito de se fazer “conversas em roda, sobre temas difíceis e só levantar quando tiver resolvido”. Para a implementação do Acordo de Paris, vimos essa como uma proposta ousada e interessante. Com isso na cabeça, resolvemos institucionalizar a Talanoa como um think tank, nos idos de 2018. Antes existimos como uma consultoria e com outras pessoas, mas não era esse nosso DNA. De 2019 em diante, unimos experts em dados, comunicação e políticas públicas e institutionalizamos uma organização não governamental com esse perfil

Nosso principal programa é a POLÍTICA POR INTEIRO, que monitora as políticas climáticas federais usando “robôs e humanos”, em todas as suas dimensões. Foi ela que quantificou os milhares de atos e “boiadas ambientais” do governo Bolsonaro. E que agora identificou que “canetadas” precisam ser desfeitas ou refeitas para a reconstrução das políticas ambientais e climáticas do país. Nossa outra vertente são as “talanoas” mesmo, ou seja, as rodadas de diálogos entre atores diferentes e de alto nível, que temos conduzido junto com muitos parceiros e coalizões, por meio da iniciativa Clima & Desenvolvimento. Tem sido transformador! Além disso, estamos envolvidos em iniciativas como propor uma métrica para litigância climática, a fim de medir o impacto potencial das ações sobre políticas públicas. E também temos acompanhado bastante de perto a acessão do Brasil à OCDE, com foco no advocacy para que o Brasil paute os novos padrões internacionais de clima e ambiente.

A Talanoa é atualmente uma think tank sobre políticas climáticas com parcerias nacionais e internacionais de relevo no cenário brasileiro:  Saiba mais

Ana Paula Tostes

O instituto Talanoa publicou recentemente um documento sobre as políticas e atos do Poder Executivo Federal (de 2019-2022) a serem “desconstruídos”, poderia nos falar mais sobre esse documento que teve também o apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e da Konder Adenauer Stiftung (KAS)?

Ana Paula Tostes: Editora do Boletim Acauã

Natalie Unterstell

R: Em 40 meses de governo Bolsonaro, foram publicados mais de 140 mil atos com interface às políticas ambiental e climática. Desse universo, aplicando-se metodologia e tipologia próprias desenvolvidas pela POLÍTICA POR INTEIRO, identificamos 2.189 atos infralegais relevantes para as políticas climáticas e socioambientais no Diário Oficial da União (DOU).  E, dentre essas normas, 855 contribuíram para o processo de desconstrução da agenda climática e ambiental brasileira. Desse estoque, concluímos que 401 atos requerem ações imediatas, entre revogações e revisões. Esse total contém medidas expedidas tanto em nível presidencial quanto ministerial, oriundas de diversas pastas e não somente a ambiental. Por exemplo, 48 atos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

 

A análise minuciosa desses atos, junto de discursos oficiais, apontou a emergência de sinais e orientações padronizadas do governo de Jair Bolsonaro em relação à agenda socioambiental e climática. O documento “Reconstrução” é um Relatório que aponta os atos que devem ser imediatamente revogados: 107 atos. A rapidez com que o governo Lula pode reescrever as normas editadas por Bolsonaro, entretanto, é particularmente crítica para três áreas principais de políticas climáticas: desmatamento, perda de biodiversidade e emissões de gases de efeito estufa.

Ana Paula Tostes

Quais são os desafios que você prevê para os próximos quatro anos em relação ao enfrentamento de reformas e políticas públicas nacionais no campo da proteção ambiental? O que é possível fazer nesse período?

Ana Paula Tostes: Editora do Boletim Acauã

Natalie Unterstell

R:  Acho que teremos muitos desafios. Um deles será a retomada do controle sobre o desmatamento em uma Amazônia dominada por grileiros, quadrilhas e milícias. Vai ser preciso orquestrar um esforço público bastante forte e consistente, para que sejamos capazes de vencer, não apenas o desmatamento, mas a violência e a violação de direitos humanos no campo.

Outro desafio será o de construir uma verdadeira política climática. Nós temos princípios e diretrizes na legislação de 2009, mas não temos realmente instrumentos calibrados para implementar de nossos compromissos junto ao Acordo de Paris. Será um desafio interessante conseguir colocar em pé um mecanismo de precificação de emissões de gases de efeito estufa, junto de pacotes de metas para transição climática.

 

Perpassando tudo isso, eu vejo que o diálogo entre governo e sociedade estruturado e efetivo será primordial. Nossa sociedade foi calada nos últimos 4 anos e tem muito a dizer sobre todos os aspectos de implementação de políticas públicas. Teremos de balancear diálogo e participação reais, com foco e atenção no que são os reais problemas.

Ana Paula Tostes

Como você vê a transformação da agenda ambiental no campo dos interesses e os riscos do greenwashing para as reais mudanças?

Ana Paula Tostes: Editora do Boletim Acauã

Natalie Unterstell

R: Greenwashing é intencional. Não se trata apenas de uma boa vontade em torno de ações ambientais, mas que ficou aquém do desejado na implementação. Sabemos o quanto as indústrias de petróleo e gás, por exemplo, contribuíram para o atraso das soluções globais para a crise climática através de apostas em negacionismo. É preciso ser bastante transparente com os interesses e atento aos sinais de papel duplo de empresas que falam algo, fazem outro.

Ana Paula Tostes

Você chegou há pouco da COP27. Como você avalia os avanços e o que poderia nos testemunhar sobre alguns acontecimentos, eventos, surpresas ou frustrações relacionadas ao alcance de objetivos e temas levados à discussão pelos países ao nível da Conferência desse ano de 2022?

Ana Paula Tostes: Editora do Boletim Acauã

Natalie Unterstell

R: O único avanço da COP27, no Egito, foi a decisão de criar o fundo para perdas e danos. Infelizmente não houve uma diplomacia à altura dos desafios que estamos enfrentando, e isso resultou em decisões de natureza mais procedimental do que prática. As COPs estão cada vez menos carregadas de temas para se negociar e vamos ver cada vez mais avaliação, como o Global Stocktake (trata-se de um instrumento componente do Acordo de Paris de 2015 usado para monitoramento e avaliação do progresso no alcance das metas do Acordo), do que efetivamente a incrementação de agendas com potencial de implementação e de decisões.

 

 

Ana Paula Tostes (Entrevistadora)

Ana Paula Tostes (Entrevistadora)

Editora do Boletim Acauã. Professora Associada do Departamento de Relações Internacionais da UERJ, do PPGCP do IESP-UERJ e Senior Fellow do CEBRI. Possui doutorado em Ciência Política.​