Número 5 – Março 2022

Como Editorial de abertura do Segundo Ano de vida do Boletim Acauã – Editorial número 5 -, e com a preocupação de ecoar o movimento feito em nosso Editorial n. 4, em que se provocou uma aproximação entre a questão ambiental e a questão dos direitos humanos, propomos neste número apresentar uma compreensão triangulada entre o meio ambiente, os direitos humanos e os negócios. Em outras palavras, trata-se de inserir os chamados atores privados empresariais nessa reflexão e suscitar os nexos entre negócios e sociedade a partir de uma perspectiva internacional dos direitos humanos.

As bases da importância dos direitos humanos para a sociedade e os negócios são muitas. No que se refere, por exemplo, à questão ambiental, sobretudo na chave da sustentabilidade e da agenda do desenvolvimento sustentável, estruturada em seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), é possível indicar que os direitos humanos fortaleceram as condições para uma maior transversalização das temáticas relativas ao desenvolvimento, permitindo que os distintos e complementares ODS impactassem uns aos outros com maior intensidade. Como resultado de uma via de mão dupla, a realização da denominada Agenda 2030, por seu turno, tem fortalecido e pluralizado a gramática e as ferramentas dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos.

Aqui também se pretende apontar que movimentações das empresas na direção dos compromissos com os ODS já produziram efeitos sobre os direitos humanos, constituindo importante plataforma para avançar na interação entre os negócios e os direitos humanos. Anteriormente ainda à agenda dos ODS, a Organização das Nações Unidas (ONU) já havia coordenado esforços no início do século XXI na direção de capilarizar a participação das empresas na consecução de dez compromissos voluntários estabelecidos em torno de quatro pilares: direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção. A sustentabilidade corporativa ganharia contornos mais evidentes a partir da plataforma denominada de Pacto Global, por meio da qual as empresas pequenas, médias e até as corporações transnacionais, com variado potencial de produção de danos internacionais e transnacionais em matéria de meio ambiente e direitos humanos, assumiram enviar anualmente, de forma transparente, a sua comunicação de progresso (COP, em inglês) para com os princípios elencados.

Poucos anos depois do Pacto Global, a antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU, por meio de uma Resolução datada de 2005, solicita ao então Secretário Geral da Organização a nomeação de um representante especial para direitos humanos e corporações transnacionais e outras empresas. A nomeação de John Gerard Ruggie – falecido em novembro último – para a função ocorre no mesmo ano. E com o acumulado dos trabalhos tem-se a publicação em 2011 dos Princípios Orientadores da ONU para Empresas e Direitos Humanos: os chamados United Nations Guiding Principles (UNGPs): um dos pilares centrais de um emergente Regime Internacional de Empresas e Direitos Humanos.

De acordo com estudo encomendado pela Business and Sustainable Development Comission (BSDV) a Shift Project (2016), um dos elementos mais importantes dos princípios tem justamente relação com a responsabilidade da empresa em relação a danos produzidos a partir da órbita ampliada de suas atividades, assim como das violações de direitos humanos correlatas, revelando a importância do monitoramento de suas cadeias em sentido vasto e caminhando na direção de processos permanentes de verificação dos compromissos desses atores privados empresariais com as questões de meio ambiente e de direitos humanos.

Estes movimentos institucionais internacionais, assim como a trama de atores internacionais envolvidos em um espectro global-local em torno da agenda de Business and Human Rights (B&HR), possibilitam a identificação clara de um Regime Internacional correspondente, de acordo com Karin Buhmann (2022). Por meio da identificação e combinação de fases, ondas, movimentos e processos normativos que ganharam contornos institucionais importantes, a professora revela a evolução desse regime em sua obra recém-publicada. Trata-se de livro parte da coleção Key Ideas in Business and Management, em que a professora e pesquisadora que dirige o Centre for Law, Sustainability and Justice (University of Southern Denmark) parte do questionamento sobre as razões para pensar os direitos humanos como uma ideia chave para as empresas e para a sociedade.

A partir deste que se configura como um capítulo introdutório, Buhmann avança para outros nove capítulos em seu livro-manual em que percorre desde as bases fundacionais e a relevância global dos direitos humanos na chave empresas-sociedade, passando pelas perspectivas teóricas que permitem aproximar direitos humanos dos negócios, da Responsabilidade Social Corporativa e de distintos stakeholders e pelo framework da governança transnacional das empresas, até alcançar, de forma mais detida, os instrumentos de devida diligência em direitos humanos, o acesso à remediação das vítimas de danos corporativos e também a incidência do B&HR em contextos mais amplos de sustentabilidade, tal como o dos ODS.

A esse respeito, Buhmann (2022) afirma que ainda que as implicações com os direitos humanos não estejam, ao seu ver, na linha de frente dos ODS, esta agenda lida com várias questões relativas aos direitos humanos (mencionamos aqui a igualdade de gênero, o direito à educação de qualidade, a erradicação da pobreza) e chega a mencionar os Princípios Orientadores da ONU para Empresas e Direitos Humanos. Também destaca que mesmo que os ODS tenham sido estabelecidos pelos governos – e sejam primariamente a eles direcionados – é clara a importância dos atores privados empresariais no eco e na implementação dos objetivos.

Aspecto ainda importante a destacar acerca da obra, que pode ser lida e utilizada por estudantes de graduação e pós-graduação, é a preocupação em ilustrar e caracterizar de forma prática os desdobramentos da Agenda de B&HR e desta triangulação dos direitos humanos, meio ambiente e empresas por meio da escolha, por exemplo, de casos representativos em alguns dos capítulos ou ainda apontando para perspectivas práticas desse debate.

Oportunidade ímpar ainda tivemos de ouvir a autora e professora Karin Buhmann em uma entrevista concedida no âmbito do Workshop Fair Transitions, stakeholder engagement, community perspectives and human rights, sediado pela Universidade de São Paulo e realizado no formato híbrido entre 24 e 25 de março. Logo mais a entrevista estará disponível em nosso Boletim Acauã. Boa leitura!

Claúdia Marconi

Claúdia Marconi