Número 6 – Junho 2022

Assessment of agricultural plastics and their sustainability. A call for action.

Autor: Food and Agricultural Organization – FAO

DOI: https://doi.org/10.4060/cb7856en


Quo usque tandem abutere Catilina patientia nostra?

  Com esta invectiva, Cícero admoestava (60 A.C), com forte veemência, o nobre senador romano Catilina sobre suas errôneas pretensões conspiratórias para destruir a República. Em registro muito distinto e muitos séculos depois, algumas vozes, em semelhante ladainha vêm, já há várias décadas, denunciando incansavelmente as constantes ações que parecem conjurar para devastar o meio-ambiente. A natureza parece ter perdido a paciência e acusa sinais de cansaço. Trazendo ele, no seu bojo, alto risco para a humanidade. O quando parece, então, já ser hoje.

   Na verdade, não é difícil constatar a situação de crise ecológica que assola o mundo. Se tomamos a definição proposta por Boin et al., há crise quando uma ameaça manifesta gera um senso de urgência e, ao mesmo tempo, suscita um elevado grau de incerteza sobre suas reais consequências. E, de fato, é para isso que a grande maioria das comunidades epistêmicas aponta. A era dita do Antropoceno, que debuta no final do século XX, é essencialmente marcada pela perda da estabilidade ambiental em razão da interferência humana, o que está levando ao limite a capacidade de resiliência das forças da natureza. 

   Para além da ameaça mais premente, o aquecimento global, outros indícios apontam que a vida na Terra se torna, a cada dia, mais vulnerável. Entre tais indícios, um se destaca, posto que se encontra fortemente associado à saúde do homem: a poluição. Com consequências nefastas para a vida, ela impacta direta, indireta e indiscriminadamente o bem-estar das populações ao Norte e ao Sul do equador. Nesse contexto, a segurança alimentar emerge com força por suscitar um bom manejo do cultivo que inclua, pari passu, eficiência econômica sustentável, respeito à natureza e atenção à saúde humana.

   Buscando fornecer evidências e reflexão sobre os riscos envolvidos na relação entre o meio-ambiente, a agricultura e o bem-estar do homem, a Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) publica, em 2021, o relatório intitulado Assessment of Agricultural Plastics and their Sustainability. A call for Action. Tal relatório debruça-se sobre um insumo omnipresente no cotidiano socio-comercial e que, apesar de ter trazido no rastro de seu uso algumas vantagens, tem causado considerável preocupação no que se refere à sua ação deletéria para o meio-ambiente e, por tabela, para o ser humano: o plástico.
O documento da FAO está organizado em Oito Seções que conduzem o leitor a, paulatinamente, se deparar com argumentos e evidências que trazem luz para o problema que imbrica ecologia, manejo da terra, plástico, segurança alimentar e desenvolvimento sustentável.

   Após uma breve Introdução que esboça o contexto atual a partir de uma perspectiva histórica as Seções Dois e Três tratam, respectivamente, do uso do plástico na agricultura e dos tipos e quantidades estimadas de produtos plásticos agrícolas em uso. Nelas se encontram rigorosas e detalhadas análises sobre: plásticos e suas propriedades; tipos de produtos plásticos e sua aplicação; os benefícios do uso de produtos plásticos na agricultura; vida útil estimada de produtos plásticos selecionados; assim como estimativas regionais e globais das quantidades de produtos plásticos usados na agricultura. 

  Em seguida, enquanto a Seção Quatro foca nos danos causados pelo plástico, sumarizando suas principais consequências, a Seção Cinco propõe uma minuciosa avaliação dos principais produtos plásticos agrícolas propondo uma tipologia calcada na intensidade de suas respectivas capacidades de impacto nefasto.
Estruturas e mecanismos atuais para facilitar boas práticas de gestão é o tema abarcado pela Seção Seis. Mais especificamente, nela se reflete: sobre a Política internacional e os instrumentos legais que nesse âmbito conformam um regime próprio; sobre a relevância das Legislações nacional e regional; e, finalmente, sobre como essas governanças estão entrelaçadas. Por fim, a Seção Sete e a Conclusão, arrematam tecnicamente o estudo através de uma perspectiva prescritiva indicando que o rumo a ser tomado é o de uma economia circular para os plásticos agrícolas.

   O relatório Assessment of Agricultural Plastics and their Sustainability. A call for Action traz à tona a preocupação seminal registrada por Hardin no que concerne a noção de bem público internacional e a dificuldade de gerenciamento de uma ação coletiva em nível global dirigida à sua preservação. Ostrom, alguns anos mais tarde, introduziria algumas nuances em tal raciocínio, não deixando, contudo, de apontar a persistente complexidade e os recorrentes obstáculos para se erigir uma governança capaz de evitar uma tragédia para os commons.

   Sem embargo, o progresso científico faz emergir uma gama significativa de plásticos e distintas formas de se proceder ao seu uso. Todavia, o relatório conclui que embora possam aumentar a produtividade e a eficiência em todos os setores agrícolas e ajudar a minimizar a perda e o desperdício de alimentos, os plásticos são uma importante fonte de contaminação. Seu uso generalizado e de longo prazo, aliado à falta de coleta sistemática e manejo sustentável, leva ao acúmulo em solos e ambientes aquáticos.

   No que se refere mais particularmente à questão do bem-estar do homem, a FAO é enfática ao apontar que, degradando-se em microplásticos, eles podem ser transferidos e aglomerados nas cadeias de alimentos, ameaçando a segurança alimentar e potencialmente a saúde humana. Os solos, segundo o relatório, contêm maiores quantidades de microplásticos do que os oceanos. À medida que a demanda por plásticos agrícolas continua a crescer, é preciso aprimorar o monitoramento das quantidades de produtos plásticos usados e que têm impacto na agricultura. A promoção de abordagens circulares é essencial para reduzir a geração de resíduos plásticos por meio da prevenção, redução, reutilização e reciclagem. 

   Em última análise, para a FAO, combater a poluição plástica agrícola é fundamental para que se possa alcançar sistemas agroalimentares mais eficientes, inclusivos, resilientes e sustentáveis a fim de se lograr uma melhor produção, uma nutrição de qualidade e um meio-ambiente mais saudável. E isso é urgente. O tempo dos discursos, das Catilinárias, parece ter se esgotado. A Natureza requer, hoje, ação. Como indica em sua capa o Relatório: “A Call for Action”.

1 Cf. BOIN, Arjen et al. The Politics of Crisis Management, Cambridge University Press, Cambridge, 2017.

2 Cf. VIOLA, Eduardo, BASSO, Larissa, “O sistema internacional no Antropoceno”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 31, No. 92, Outubro 2016.

3 Hardin, Garrett (1968), “The Tragedy of the Commons”, Science, New Series, Vol. 162, No. 3859 (Dec. 13), pp.1243-1248.

4 Ostrom, Elinor, (1990), Governing the Commons, Cambridge University Press, Cambridge. Ostrom recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2009 pelo conjunto de seu trabalho ligado às instituições, à política e ao meio-ambiente.

Marcelo Medeiros

Marcelo Medeiros