Número 7 – Setembro 2022

Banking on Beijing. The Aims and Impacts of China’s Overseas Development Program.”

Axel Dreher, Andrea Fuchs, Bradley Parks, Austin Strange e Michael Tierney.

Cambridge University Press, 2022, 312 páginas.

Este livro traz uma análise fascinante da natureza e impacto das políticas chinesas para o desenvolvimento sócio-econômico em países ao redor do mundo. O projeto é o resultado de um esforço colaborativo ao longo de 10 anos, onde os autores — juntamente com uma equipe de pesquisadores — mobilizam uma ferramenta de coleta de dados para sistematicamente recuperar, organizar e disponibilizar informações sobre os projetos do governo chinês para países como Sri Lanka, Tanzania, Quênia e vários outros. Ao todo, são 138 países que em algum momento, durante um período de quinze anos, receberam recursos do governo chinês para financiar projetos voltados para o desenvolvimento.

A ferramenta que sistematiza os dados se chama TUFF (Tracking Underreported Financial Flows). A plataforma armazena dados sobre ajuda externa chinesa de várias fontes: de ministérios dos países receptores, da mídia, de pesquisas, e do próprio governo chinês. Esta iniciativa é em grande medida motivada pela ausência de transparência por parte da China, que insiste em não disponibilizar as informações sobre a sua política de ajuda externa, tratando estes dados como segredo de Estado! O banco de dados construído a partir do TUFF traz informação sobre aproximadamente 354 bilhões de dólares em ajuda externa chinesa, desembolsados entre 2000 e 2014. São 4.368 projetos, distribuídos entre 138 países. Pela primeira vez temos dados a nível de projetos, o que permite a investigação do impacto destas políticas de forma desagregada — no âmbito das províncias ou mesmo cidades específicas. 

É exatamente isto que os capítulos subsequentes do livro fazem: avaliam a natureza e o impacto da ajuda externa chinesa. De início, os autores diferenciam ajuda governamental de empréstimos governamentais. A partir de então, segue-se uma análise empírica das consequências dos projetos chineses para alguns dos efeitos perversos associados à implementação de ajuda governamental: corrupção, conflito interno, prevalência de governos autoritários, degradação ambiental. A investigação dos efeitos perversos — ainda que não intencionais — da ajuda externa tradicionalmente voltou-se para os projetos financiados pelo Banco Mundial. Pela primeira vez é possível comparar as políticas do Banco vis-à-vis as políticas do governo chinês, no que tange a governança política, social e ambiental.

Do ponto de vista do impacto ambiental, o livro revela que a existência de instituições sólidas nos países receptores mitiga a pressão ambiental destes projetos. Em contrapartida, nos países onde não há instituições sólidas, as consequências dos projetos de ajuda externa chineses estão associadas a níveis mais altos de degradação ambiental. Esta constatação é particularmente relevante, dada a ausência de condicionalidades atreladas aos projetos de financiamento chineses. Para chegar a esta conclusão, os autores mobilizam três indicadores de governança ambiental: 1) a qualidade das políticas e instituições de proteção ambiental; 2) cobertura florestal; 3) emissão de CO2 e de partículas que contribuem para o efeito estufa.

Por um lado, os resultados da análise contestam o entendimento que prevalece no senso comum de que as políticas de ajuda externa chinesas são sistematicamente nocivas ao meio ambiente. Por outro lado, os autores chamam atenção para o fato de que países vulneráveis, onde as instituições de proteção ao meio ambiente são frágeis e inadequadas, muito provavelmente sofrerão consequências adversas. O capítulo 8 do livro, que trata sobre meio ambiente — além de outras possíveis consequências adversas, começa com o episódio da construção da rede ferroviária standard (Standard Gauge Railway) no Quênia. O projeto envolvia desafios enormes com o objetivo de construir uma ferrovia de 475Km, que permitiria ligar a capital Nairóbi à cidade portuária de Mombasa, a uma velocidade de 120Km por hora. Uma vez concluída, a ferrovia iria não apenas reduzir o tempo de viagem, mas também os custos de transporte em até 60%. Este foi o maior projeto de infraestrutura desde a independência do Quênia, em 1963.

O potencial impacto ambiental era alto! A construção da ferrovia demandava a realocação de comunidades e o desenho proposto atravessava o Parque Nacional Tsavo, onde espécies protegidas poderiam ser impactadas. Como se estas preocupações não fossem suficientes, membros do Parlamento no Quênia questionaram os termos da contratação do projeto. Uma empresa chinesa havia sido escolhida para desenvolver o projeto, sem processo competitivo, e o formato das obrigações contraídas pelo governo Queniano implicava dois empréstimos no valor total de 3,5 bilhões de dólares — empréstimos estes contraídos junto ao Eximbank chinês. O projeto foi concluído e entregue em tempo recorde — coincidindo com as eleições presidenciais no Quênia, quando o candidato que havia contratado o projeto junto ao governo chinês competia pela sua reeleição. Quanto às girafas e aos elefantes do Parque Nacional Tsavo, a ferrovia contemplou pontes de até sete metros de altura para que a circulação dos animais não fosse comprometida.

O livro traz vários outros “contos” para ilustrar como os projetos de ajuda externa chinesa são concebidos para atender às prioridades de Beijing. Por outro lado, a expansão da presença chinesa como agente fiduciário no espaço internacional — seja como provedor de ajuda externa, seja através da concessão de empréstimos — tem implicações para as instituições que tradicionalmente cumpriam este papel. O Banco Mundial, por exemplo, encontra-se em um processo competitivo velado junto a um agente fiduciário que não trabalha com critérios transparentes, não compartilha dados acerca da efetividade e dos impactos (inclusive os negativos) dos seus projetos. Existe o risco de embarcarmos em uma “race to the bottom,” processo onde os critérios de excelência vão se diluindo pela pressão da competição — sob o risco da obsolescência! 

Cristiane Lucena

Cristiane Lucena

Editora do Boletim Acauã. Professora associada do instituto de Relações internacionais da USP e pesquisadora do CAENI. Possui doutorado em Ciência Política