Número 8 – Dezembro 2022

Nesse momento de fechamento do segundo ano, na busca de uma nova contribuição de relevo para divulgação em nosso Editorial n. 8, percebemos que pode ser valioso recuperar uma contribuição não muito recente, mas que cumpre um papel de fechamento e encadeamento a respeito de outras abordagem destacadas sobre o tema do meio ambiente e das mudanças climáticas em nossas publicações do Acauã.

Assim, dando continuidade aos nossos editoriais, este que encerra o ano de 2022, apresenta o livro intitulado “This changes Everything: Capitalism vs. The Climate” de autoria de Naomi Klein, publicado no Canadá em 2014. 

Nós que vivemos em um mundo tão dinâmico com trocas e desejos fugazes, como pode ter importância para a ciência e para a comunidade acadêmica e não acadêmica brasileira um livro sobre mudanças climáticas escrito há sete anos? Será que tudo o que nos importa sobre o tema é mais recente e o novo é sempre mais sofisticado, mais avançado? Será preciso sempre consumir novidades, novos dados, novos produtos (e novos livros)? Será que já não sabemos o bastante?

O livro nos alerta em linguagem simples e a partir de um tratamento científico e jornalístico ao mesmo tempo, para uma mudança de ponto de vista sobre o problema da emergência climática, exatamente como seu título promete. Os exemplos e casos são atuais e os argumentos não foram superados por qualquer publicação mais recente, e por isso é preciso retomar a indicação da leitura de Naomi Klein, que se tornou um clássico recente. 

Naomi Klein é uma jornalista e premiada autora canadense. Escreveu diversos livros, é ativista ambiental, popular no Canadá e no mundo, mas praticamente desconhecida no Brasil (apesar de ter livros traduzidos para o português). Sua contribuição é um serviço ao melhor entendimento sobre a relação entre a política e a economia e à denúncia de que a solução da emergência climática não pode estar no mesmo modelo que a gerou: o livre mercado que se sustenta pelo consumo de bens. A autora já é conhecida por inspirar movimentos antiglobalização, já entrou em choque com a Nike e continua ativa quanto a denúncias de desrespeito ao direito indígena à propriedade de territórios invadidos e poluídos pela indústria do betume em Alberta, no Canadá. O livro está no topo das indicações, dentre as leituras consideradas obrigatórias, por cientistas da Earthwatch. 

Ao tempo em que debates sobre transição energética e mercado de carbono buscam soluções para a mitigação climática, Naomi soa um alarme para o risco de novos enganos quando buscamos soluções dentro do modelo capitalista para problemas que o próprio capitalismo gerou. Nenhuma novidade, mas sim uma já notória realidade que ainda temos dificuldade em digerir por essa razão, a leitura dos livros de Naomi pode ser uma forma de quebrarmos a barreira da incorporação dessa verdade conhecida. Erros hoje podem nos levar a uma nova era de ardis em um tempo que não temos mais a perder.

O livro de Naomi gerou um debate com o público, um site, um movimento, (https://thischangeseverything.org/the-documentary/) e um filme dirigido pelo seu companheiro Avi Lewis (“Naomi: This Changes everything”: https://www.youtube.com/watch?v=jsXTJihL7Ac). O documentário é acessível no youtube e conta com a narrativa da própria Naomi. No site referido acima, Naomi propõe material didático para explorar questões e reflexões sobre as ideias de seu livro. Por não haver tradução para o português, logo ser de pouco conhecimento no Brasil, consideramos o contraste entre tal desconhecimento e tamanha relevância que alcançou mundo afora razão suficiente para introduzir a autora e seu livro para o Edital n. 8 neste episódio de encerramento do ano de 2022. Ano marcado por um considerável aumento do protagonismo do tema da mitigação e do combate às mudanças climáticas.

O livro inicia com um episódio sobre uma experiência concreta e relativamente comum para qualquer cidadão sobre testemunhos que presenciamos a respeito de consequências do aquecimento global e como nossa percepção pode estar enraizada em uma dissonância cognitiva, pois não associamos muitos dos eventos com os quais nos acostumamos às suas reais causas. Essa é uma das razões do florescimento da negação climática e de sua força. A autora ancora alguns de seus argumentos à relevância da emergência do negacionismo climático menos explícita do que vemos atualmente, desde o fim da década de 1960 e início de 1970. Episódios políticos em economias liberais, como nos Estados Unidos e no Reino Unido, a construção de narrativas que consideram o mercado a solução para o crescimento e the only game in town foram peças fundamentais na consolidação do mal entendimento sobre o tema das mudanças climáticas e sua confusão com outras questões ambientais.

A autora se dedica a denunciar a relação entre capital e negacionismo. Ela denuncia o nível de organização e de investimento financeiro na manutenção de interesses e ideologias que são lucrativas ao negarem a emergência climática. Direção oposta ao entendimento e crença do ambientalismo inocente que compreendia o tema das mudanças climáticas como algo que poderia afetar a todos e gerar equalização e solidariedade por não distinguir ricos e pobres.

Erros de um ativismo inocente, uma vez que os pobres são vulneráveis enquanto o capital pode encontrar oportunidades e os ricos suas próprias alternativas. Esse panorama é o que debatemos no seio da noção de justiça climáticas e da justiça econômica, também objetos de tratamento do livro. 

Um dos pontos interessantes do argumento da autora se relaciona à noção de naturalidade com a qual consideramos impactos das mudanças climáticas como algo que não nos afeta diretamente, ou que vemos de forma tão abstrata que não chegamos a associar o risco planetário a temas da política e da economia no nosso cotidiano. Temos dificuldade de colocar o futuro acima do presente. 

A autora menciona personagens, pontos de vista, eventos e debates que se complementam e fazem cumprir um papel fundamental do livro: o de informar e nos persuadir a seguir a leitura ao longo de cerca das 1.000 páginas. Não é um livro de leitura dinâmica e consumo aos moldes dos hábitos capitalistas, mas sim para consulta de longo prazo, retomadas contínuas e releituras. Isso porque o argumento central não se esgota, apesar de se basear em uma ideia simples e não criada pela autora: a de que há uma batalha entre o modelo econômico capitalista e o planeta, e que esta batalha está sendo ganha pelo capitalismo. A autora acredita na luta de interesses e na reação da sociedade e o livro conta histórias e organiza argumentos sobre a batalha em campo de forma elucidativa. Mesmo em casos em que enfrentamento e mitigação estão sendo conduzidos, muitas vezes nos encontramos ainda dentro do mesmo modelo econômico; logo, longe da saída necessária e definitiva do problema. Isso porque, para a autora, assim como o problema, a solução da emergência climática não se encontra em nós, mas “lá fora”. Sim, foi algo feito pelo homem, mas não é da natureza do homem. Isso não quer dizer que a humanidade seja a culpada pela destruição do planeta, mas sim que uma minoria destrói e se beneficia. E que, por outro lado, só a humanidade, reconhecendo a dissonância cognitiva na qual se encontra imersa, poderia realmente tudo mudar. Boa leitura!

Ana Paula Tostes

Ana Paula Tostes

Editora do Boletim Acauã. Professora Associada do Departamento de Relações Internacionais da UERJ, do PPGCP do IESP-UERJ e Senior Fellow do CEBRI. Possui doutorado em Ciência Política.