Mônica Hirst: Entrevista para o Número 10

Entrevista com a autora do texto que ensejou o Editorial de nº 10, conduzida pela Editora do Boletim Cláudia Marconi com a Professora Mônica Hirst por ocasião do 9º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais, neste último mês de julho. 

Entrevistada: Mônica Hirst

Entrevistada: Mônica Hirst

Monica Hirst é Doutora em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEEI-UFRGS). Atualmente, é professora de política internacional na Universidade Torcuato Di Tella (Buenos Aires, Argentina) e Professora Visitante no IESP-UERJ. Coordena o grupo Dialogo e Paz com presença no site de Nueva Sociedad, vinculado à Fundação Frederich Ebert.

Entrevistadora: Cláudia Marconi

Entrevistadora: Cláudia Marconi

Editora do Boletim Acauã. Professora da FECAP e da PUC/SP. Titular da Cátedra Jean Monnet, coordena o Instituto Brasil - União Europeia. Possui doutorado em Ciência Política.

Cláudia Marconi

Bom, por ocasião do 9° Encontro Nacional da ABRI em BH [Belo Horizonte], eu ‘tô aqui na presença da professora Mônica Hirst, que é professora de política internacional na Universidad Torquato di Tella, em Buenos Aires, Argentina. Coordenadora do grupo de Dialogo e Paz Nueva Sociedad, da Fundação Frederich Ebert. Ainda [é] pesquisadora associada do INCT-INEU, e teriam várias outras coisas pra falar aqui sobre a formação e sobre a contribuição intelectual da Mônica pra nossa área de Relações Internacionais, mas vou me ater a essa brevíssima apresentação, agradecendo muito ela pelo tempo, e por fazer parte dessa fase do Boletim Acauã – que é um veículo de divulgação científica interinstitucional. Nessa série do Boletim, a gente tá cobrindo e refletindo, Mônica, acerca da política externa brasileira, e a sua [Mônica Hirst] contribuição pra área e sua análise sobre esse início do Governo Lula do “Lula III”, vai ser de grande importância para gente avançar na compreensão da política internacional do Brasil, agora, nos próximos anos. E aí, em especial, me chamou atenção o seu texto pro dossiê “Cem dias de Lula 3“, nos Cadernos Adenauer, recém-publicado, e me fez querer te ouvir mais – e poder, também, dar acesso a sua reflexão àqueles e àquelas que acompanham nosso boletim. Então muitíssimo obrigada. Eu elaborei algumas perguntas aqui, mas fique muito à vontade para ir caminhando por elas, e, de repente a gente até já cobre algumas das minhas inquietações nas primeiras, vamos ver como é que a “coisa” avança. Então, eu queria começar perguntando como você enxerga a inauguração do Governo Lula III, e de que modo a sua [Governo Lula] política externa, acompanha de seu fazer diplomático, constitui elementos-chave da ideia de que o Brasil voltou à cena internacional, Mônica.

2
fotor_2023-8-16_10_59_20-fotor-20230816105951

Mônica Hirst

Olha, dois pontos, eu diria. Um é obviamente… três pontos. Um é o sentido de continuidade esperado enquanto a conteúdo, e prioridades dos conteúdos da política externa, em relação àquela política externa que já foi, que, enfim, naquele momento rotulado como “altiva” e “ativa”, e que, digamos, teve uma marca importante com várias ênfases – ênfases na América Latina, América do Sul em particular, ênfases nas relações Sul-Sul, ênfase nas relações com outros emergentes, principalmente os membros do BRICS e do IBAS -, então, esse conjunto de prioridades pareciam ser prioridades que voltariam ao desenho e à formulação da política externa. Segundo, era poder realmente voltar a ter uma política externa que contribuísse aos principais objetivos da região e do Sul, no sistema internacional; uma política que fosse ativa na defesa da paz, que fosse ativa na defesa do regionalismo inovador, que fosse ativa na questão do desenvolvimento e, obviamente, na atenção à desigualdade. E que se desfizesse daquele processo de cupinização que era realmente a destruição total e institucional da política externa, da época do Governo Bolsonaro. A terceira – e essa, certamente a mais difícil – era mais uma pergunta do que uma resposta, como é que essa política externa, desse Lula 3.0, iria se ajustar e iria se encaixar no contexto internacional atual, que é muito diferente daquele quando o Lula foi presidente e foi reeleito no início do século XXI.

Cláudia Marconi

Perfeito, obrigada. Acho que, de alguma forma, você já tensionou aqui as continuidades e descontinuidades que você observa, né, em relação ao interesse sistemático do Lula pelos temas internacionais. E eu queria também saber de você, se você enxerga ou atribui a uma forma sui generis, né, o tipo exercício da diplomacia presidencial feit pelo Lula, tentando trazer, né, essa figura, como você diz, que enfrenta agora um cenário muito distinto e uma ordem internacional fragilizada em muitos de seus alicerces. De que maneira você enxerga esse fazer, esse exercício da diplomacia presidencial por parte do Lula?

2
fotor_2023-8-16_10_59_20-fotor-20230816105951

Mônica Hirst

Não há dúvida nenhuma que a política externa do Governo Lula 3.0 coloca uma ênfase ainda maior na diplomacia presidencial, do que foi (Cláudia: Os anteriores) o Lula 1.0 e 2.0. Há uma ênfase maior, que eu explicaria pela própria configuração de atores do processo decisório da política externa – há uma grande ausência, que é a do Marco Aurelio Garcia, e alguma continuidade que é do Celso Amorim. Mas há um vazio, do ponto de vista de figuras de peso, de contribuições, de conteúdo, e de renovação desse conteúdo, no Itamaraty. O Itamaraty retoma, digamos, a sua institucionalidade, o seu reconhecimento, na Esplanada dos Ministérios, ou seja, no próprio gabinete, mas falta uma…, enfim, falta um desenho de política externa, inclusive que seja mais moderno, que seja menos anacrônico, que realmente mostre, digamos, uma capacidade de agência do Brasil no contexto internacional modificado, e que precisa ter essa inovação, precisa ser mais transversal, comunicável e coordenável com outros ministérios e outras agências do governo. E, principalmente, que não seja apenas cosmético no seu diálogo e na sua relação com a sociedade brasileira.

Cláudia Marconi

Uhum, uhum. Você é uma intelectual, Mônica, que ‘tá sempre muito preocupada em pensar a América do Sul na denominada “ordem internacional”. E na sua contribuição escrita, você fala de um resgate, que você também denomina de um “regionalismo perdido”, indicando que o Brasil retorna à cena latino-americana e caribenha. Você podia falar um pouquinho sobre esse ponto?

2
fotor_2023-8-16_10_59_20-fotor-20230816105951

Mônica Hirst

É, é um contexto também, que não só o sistema internacional mudou, mas a região mudou muito, e mudou do ponto de vista, digamos, da retração do seu regionalismo, da sua capacidade de construção de um consenso e cooperação política. O período da pandemia foi emblemático nesse sentido. Nós não nos coordenamos, nós não nos ajudamos, e nós cuidamos cada um do nosso próprio nariz. Alguns nem cuidaram, que foi o caso do Brasil, que descuidou [com] mais de 700.000 vidas perdidas, e isso, digamos, deixa suas marcas. Um contexto também onde as economias se reprimarizaram,  onde o neoextrativismo faz os seus estragos, e não ajuda a construir uma agenda de regionalização econômica. Então, para o Brasil lidar com essa realidade é muito difícil e, hoje em dia, o Brasil conta com algumas relações privilegiadas como, por exemplo, a relação com a Argentina, mas tem muita desconfiança, inclusive de países pequenos da região, mas que são pedrinhas que incomodam: Uruguai é um caso, de alguma maneira a Bolívia também, Paraguai também não ‘tá festejando a relação com o Brasil, ou seja, o Equador nem falar. Então, é muito difícil para o Brasil… o Chile, hoje em dia, apesar de toda uma sinergia, uma coincidência político-ideológica, é um país que mostra uma política externa que não comunga com a do Brasil, então fica muito difícil para o Brasil reconstruir também, ou ser realmente um ator protagônico na reconstrução de um regionalismo.

Cláudia Marconi

Em termos de uma tentativa protagônica brasileira, frente ao prolongamento da guerra russo-ucraniana, né, com a movimentação e proposta brasileira, intitulada Clube da Paz, que você também menciona em seu texto. De que forma você forma você enxerga o movimento brasileiro né, já na interface com…

2
fotor_2023-8-16_10_59_20-fotor-20230816105951

Mônica Hirst

O Brasil nunca pensou em trabalhar sozinho. Justamente, a ideia de um Clube pela Paz. Mas sim, de poder ser uma voz, coordenada com outras vozes – vozes que não estão comprometidas com um ou com outro lado da guerra -, e que tenham, digamos, a percepção, nas suas políticas externas, de que a ausência de uma mesa de negociação, de um processo de paz em curso, é muito nociva. É uma questão quase que de sentido comum, como presidente Lula diz, o mundo precisa de paz, o mundo precisa poder respirar, poder construir, e essa guerra só contribui, só semeia mais divisão, mais militarismo, mais autocracismo, tudo que vai contra o que se supõe que esse [Governo Lula] governo representa.

Cláudia Marconi

Uhum. E pra gente ir fechando, você acredita que essa transversalidade da agenda ambiental e climática, e de Direitos Humanos, e dos desafios, né, que ela enseja, sobretudo diante dos retrocessos não só do governo anterior, mas também do avanço da extrema direita de forma mais ampla, contribui para projeção do Brasil, e desse governo [Lula], nesse momento?

2
fotor_2023-8-16_10_59_20-fotor-20230816105951

Mônica Hirst

Sim, claro, principalmente na área ambiental. Na área de Direitos Humanos também. Enfim, nas duas áreas o Brasil está mostrando já um tipo de presença, de mensagem, de postura construtiva – no caso do tema ambiental, junto com seus pares na Amazônia. No caso de Direitos Humanos, no Conselho de Direitos Humanos da ONU [Organização das Nações Unidas], como a questão da inclusão, tanto do tema “gênero”, quanto do tema racial. Ou seja, o Brasil tem muito o que dizer e o que fazer nesses campos, e ‘tá mostrando ser coerente, essa coerência entre o que se faz e o que se diz, nessas duas áreas, é fundamental.

Cláudia Marconi

Mônica, obrigada pelo seu tempo!

2