Número 13 – Março de 2024

Por que o Pacto Verde Europeu importa para a pesquisa acadêmica e para mudanças de políticas públicas no Brasil ?

Examinamos o que significa e como se constitui a nova política ambiental e climática europeia, de forma a esclarecer o cenário de mudanças na relevância da criação de mecanismos e ferramentas de cálculo e registro de emissões de gases de efeito estufa na Europa, que mesmo sem Acordo União Europeia-Mercosul, afetam os interesses brasileiros.

Em cumprindo aos compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris de 2015, em 11 de dezembro de 2019, a Comissão Europeia lançou a comunicação, documento legal COM(2019)640, que se refere ao ‘Pacto Verde Europeu’ (“European Green Deal”)¹. Negociado sob a presidência da Comissão, que representa a presidência da própria União Europeia, de  Jean-Claude Juncker (2014-2019), o Pacto foi deixado a ser lançado pela nova presidente, que tomou posse em 1 de dezembro de 2029, Ursula Von der Leyen (2019-atualmente).

Ursula von der Leyen se dirige à imprensa em uma cúpula da UE na sexta-feira.

Cada presidência da Comissão apresenta um plano de prioridades e estratégicas, como em um governo que deve deixar clara uma plataforma de gestão e investimentos. A plataforma de Ursula von der Leyen foi abertamente a de uma gestão que pretendia ficar marcada pela consolidação de compromissos com políticas de transição verde, desde a tomada de medidas de políticas ambientais até medidas de enfrentamento à emergência climática, que foram se construindo no âmbito do mercado único europeu, desde sua constituição em 1 de janeiro de 1993.

O desenvolvimento de normas e políticas europeias comprometidas com metas do Tratado de Paris de 2015 é uma história própria que exige detalhamentos que não trazemos aqui, desde seus momentos de sucesso até outros de fracasso e estratégias de influência do modelo normativo europeu sobre países terceiros, em vistas ao favorecimento da economia europeia.

O Pacto Verde Europeu foi adotado pelo Conselho da União Europeia de 20-21 de junho de 2021, tendo se tornado obrigatório ao abrigo da Lei Europeia do Clima (Regulamento (EU) 2021/1119), que tornou juridicamente vinculativas as metas do Acordo Verde. A agenda verde se tornou uma nova estratégica europeia que envolvia, desde os compromissos internacionais assumidos pela UE, até um conjunto de iniciativas para a transformação da economia regional, com impacto na indústria, produção e criação de padrões de consumo e compromissos fiscais e tarifários, que passariam a envolver uma justificada responsabilidade europeia com a crise climática global.

O Conselho Europeu convidou o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia a avançarem nos trabalhos sobre os processos e ferramentas a serem implementadas para garantir uma transição da economia da UE com impacto neutro no clima. A União Europeia se responsabilizou em levar em conta assimetrias e especificidades dos países da União, a preservação da competitividade do mercado único, o respeito ao Estado de direito dos membros da União sobre os modelos escolhidos para o alcance da transição energética. Na região há diversidades de posição e condições de recursos naturais e o uso de medidas justas e socialmente equilibradas na transformação dos mercados e da produção surge como uma tarefa hercúlia da atual presidência. Ficou claro nesse processo, desde o começo, a relevância da associação da transição digital e que assimetrias no campo educacional e de capacitação (“skills”) deveriam estar associadas a um modelo justo de adaptação social com transições em diferentes ritmos.

Considerando-se as assimetrias mencionadas, para a maioria dos Estados-Membros, a neutralidade climática deve ser alcançada até 2050, com metas de redução para 2030.

No state of union da UE de setembro de 2020, discurso que abre os trabalhos anuais do Parlamento, Ursula von der Leyen anunciou a meta de neutralidade da economia europeia para 2050 com índice ainda mais ambicioso do que o do Tratado de Paris, que era de 50%. Na região da União, o objetivo de alcance de redução de emissões é de, no mínimo, 55%, em comparação aos níveis de emissões de gases de efeito estufa da década de 1990.

Assim, em meio à catástrofe global da pandemia do COVID-19, a Comissão lançou a revisão da legislação europeia sobre clima, enquanto se esperava um recuo na ambição de sua agenda. A pandemia foi tomada como uma conjuntura crítica que impulsionou investimentos na economia para retomada e recuperação de atividades que ficaram paradas, e outras completamente destruídas. O plano de recuperação, transferências diretas e empréstimos europeus para reinvestimento, foram associados às adaptações e medidas nacionais, com planos de ação e investimentos vinculados à transição energética e verde nos Estados membros. Isso se deu graças ao fundo de recuperação da crise econômica, designado como NextGenerationEU, promulgado em junho de 2021, que liberou 806.9 bilhões de euros para financiamento de medidas de investimento na recuperação econômica, comprometidas com as metas do Pacto Verde.

O Pacto Verde Europeu é implementado a partir de planos de ação climática que podem ser divididos, desde seu lançamento, a partir de três pacotes legislativos de iniciativas configuradas em normas promulgadas no âmbito do sistema europeu². Primeiro, a já mencionada acima “Lei Europeia do Clima” (“European Climate Law”), que inclui as metas de 2030 e 2050 no acervo legislativo comunitário (Regulamento 2021/1119, de 30 de junho de 2021)³.Segundo, o “Pacto Europeu do Clima” (“European Climate Pact”) foi a iniciativa mais especificamente voltada para a busca do engajamento dos cidadãos europeus e a sociedade em geral nas ações climáticas necessárias ao sucesso ad estratégia. O Pacto é também lançado como um documento legal do acervo jurídico comunitário em forma de Comunicação da Comissão, publicado em 9 de dezembro de 2020: COM(2020)788⁴. Finalmente, a terceira iniciativa da primeira ação climática lançada pelo Pacto Verde Europeu foi o “Plano de Meta Climática de 2030” (“2030 Climate Target Plan”), com uma estratégia própria de medidas para o alcance das metas e objetivos estabelecida no pacote “Adequação para 55” (“Fit for 55”), lançado em 14 de julho de 2021. O pacote foi literalmente um conjunto de medidas de reformas normativas, desde regulamentos a mecanismos e diretivas, como por exemplo: o mecanismo de ajuste fronteiriço de carbono (“Carbon Border Adjustment Mechanism”- CBAM), e as diretivas sobre energias renováveis e eficiência energética, necessárias ao ajuste entre medidas e metas relacionadas ao compromisso das reduções em, no mínimo, 55% até 2050.

Sobre o CBAM, de alto interesse para países como o Brasil (a UE é responsável por 15% do comércio total do país, depois da China, que é responsável por 28,66%), o mecanismo se aplica como um imposto criado para quantificar e precificar as emissões dos produtos que são importados pela UE, seja pela via de um acordo internacional de comércio, ou por cada um de seus Estados membros, isoladamente. A fase transitória de vigência do mecanismo iniciou em 1 de outubro de 2023 e vai até 2025. Neste período de adaptação ao novo mecanismo de ajuste, os exportadores para a UE ou para seus Estados membros devem informar sobre emissões embutidas em seus produtos. Assim, esse período de transição deve ser bem aproveitado para que parceiros comerciais de países europeus preparem suas medidas de certificação e harmonizem seus modelos de produção até o início de 2026. O CBAM foi criado pelo Regulamento 2023/956 do Parlamento Europeu e Conselho da UE, esperando-se com isso que se evite o fenômeno conhecido como fuga de carbono (“carbono leakage”), ou seja, que empresas europeias desloquem suas emissões para fora da UE ou que a competitividade dos países comprometidos com as metas de 55% seja abalada por produtos produzidos sob normas não restritas.

O Acordo UE-Mercosul entra em nova fase de congelamento, com riscos de, para alguns, morte certa. Dessa forma, com ou sem Pacto Verde brasileiro, a economia e o comércio nacionais são afetados pela transição verde europeia, independentemente das críticas existentes. Neste interregno, na falta de uma coordenação nacional clara ou um Pacto, como outros países tem realizado (US New Green Deal, por exemplo, também lançado em 2019), temos visto empresas nacionais preocupadas com implementação de mecanismos próprios de diligência prévia (“due diligence”) ambiental, como ferramenta que permita o cumprimento de normas europeias de comércio internacionais. Entramos, mesmo sem Acordo EU-Mercosul, em nova era de certificações sobre produção a ser comercializada e relevância dos mecanismos de compliance.


[1] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=COM%3A2019%3A640%3AFIN

[2] https://www.eceee.org/policy-areas/test/financing-the-eu-green-deal//1000/

[3] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:32021R1119

[4] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=COM%3A2020%3A788%3AFIN

Ana Paula Tostes

Ana Paula Tostes

Editora do Boletim Acauã. Professora Associada do Departamento de Relações Internacionais da UERJ, do PPGCP do IESP-UERJ e Senior Fellow do CEBRI. Possui doutorado em Ciência Política.